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‘É preciso encarar as mazelas que a omissão coletiva produziu’

Frase de Daniela Arbex – Autora de “Todo Dia a Mesma Noite” e “Holocausto Brasileiro” defende a reconstrução da memória como ferramenta para ressignificar o passado e mudar o futuro.

O maior hospício do Brasil oculta um saldo de torturas, maus-tratos e mais de 60 mil mortes. Um incêndio numa boate ceifa 242 vidas por um descuido tratado então banalmente. O rompimento de uma barragem responsável pela maior catástrofe humanitário do país, deixando um rastro de lama de mais de 300 quilômetros, milhares de desabrigados e 270 mortos. Além das marcas da destruição e do trauma que se estendem até hoje, o que esses três eventos têm em comum é que foram reconstituídos detalhadamente pela escritora e jornalista Daniela Arbex.

Com boa parte dos livros que publicou sendo adaptados para o audiovisual, como na minissérie da Netflix “Todo Dia a Mesma Noite” (2023) — baseada na obra homônima sobre o incêndio na boate Kiss —, Arbex vem se tornando especialista em registrar as memórias de momentos cruciais da nossa história. Mas fazer essa reconstrução a partir das memórias falhas dos indivíduos envolvidos nos casos, cujas lembranças foram distorcidas pelo tempo e pelos muitos interesses envolvidos, está longe de ser tarefa fácil.

“Quando você trata da memória oral, cada pessoa vai ter um olhar sobre o que aconteceu que não é exatamente o que aconteceu”, diz a jornalista em entrevista a Gama. O trabalho, portanto, envolve, além de uma infinidade de depoimentos e olhares muitas vezes conflitantes sobre o que aconteceu, também uma extensa investigação em busca de documentos, pesquisa de campo e checagem de dados, numa jornada que a escritora descreve como árdua.

O cuidado e a compreensão do luto de vítimas e familiares, Arbex afirma, precisa estar sempre no centro do processo, evitando que o trabalho decaia de qualquer forma que seja para uma exploração sensacionalista das tragédias. Na opinião da escritora, “a memória coletiva é um caminho para buscar justiça. Se a gente esquece, repete os erros do passado.”

E os livros que publicou de fato tiveram impacto nas discussões do país. Se “Holocausto Brasileiro” (Geração Editorial, 2013) chocou leitores com o retrato dos abusos ocorridos numa instituição de saúde mental mantida pelo Estado — dando munição para um debate sobre o tema que continua acontecendo —, “Todo Dia a Mesma Noite” (Intrínseca, 2018) chegou a integrar o processo contra os réus do incêndio na boate Kiss e “Cova 312” (Intrínseca, 2019) alterou a causa oficial da morte de um militante político, na verdade assassinado pelos militares.

Trabalhando em um novo livro, cujo tema ainda não pode revelar, Arbex também já viu “Holocausto Brasileiro” ser adaptado para a minissérie “Colônia” (2021). Em breve, “Arrastados” (Intrínseca, 2022), sobre o rompimento da barragem de Brumadinho, e “Os Dois Mundos de Isabel” devem receber versões para TV. Em conversa com Gama, a jornalista aborda a importância dessas adaptações para alcançar públicos mais amplos e as mudanças na atuação jornalística nos últimos anos, e responde se o brasileiro de fato tem memória curta, como diz a sabedoria popular.

Sou alguém que recebe do outro o que ele tem de mais poderoso: a memória afetiva

Daniela Arbex

Fonte: Gama